Emprega-se
muito o surrado texto de I Coríntios 16:2, na tentativa de
"justificar", pela Bíblia, a guarda do domingo. Muitos, valem-se da
versão Almeida comum, que omite a expressão "em casa" encontrada
no texto original. E argumentam: "Ora, se cada um pusesse de parte
'em sua casa' o dinheiro, teria que ser feita a coleta quando Paulo
chegasse e era justamente isto o que queria evitar!"
Veremos
como isto se pulveriza a um simples sopro de verdade. Nem haveria
necessidade de argumentar, pois o próprio texto de Almeida na Versão
Revista e Atualizada no Brasil, se encarregaria de fulminar a falsidade.
Ei-la:
- "Quanto
à coleta para os santos, fazei vós como também ordenei às igrejas
da Galácia. No primeiro dia da semana cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para
que se não façam coletas quando eu for."
Maior
clareza não pode haver! Torna-se dispensável qualquer comentário!
A Simples leitura do texto nos convence de que:
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- Não
se tratava de culto nem de reunião de espécie alguma no
primeiro dia da semana.
- A
coleta não era feita na igreja.
- A
coleta não era parte do culto nem se destinava à igreja
local.
- Era
uma separação de dinheiro que cada um devia fazer
em sua casa.
|
- Quando
Paulo viesse, cada um lhe entregaria o total de sua separação
semanal, que Paulo levaria ou mandaria para os crentes
pobres de Jerusalém. Não se faria coleta alguma quando
Paulo viesse, porquanto esta já fora feita, já estava
pronta. Paulo somente a tomaria para encaminhá-la ao seu
destino.
|
Notemos
no texto a expressão "pôr de parte", separar, reservar, depois
de um balanço na situação, "conforme a prosperidade".
Ora, se se tratasse de coleta feita num culto, Paulo não usaria
estas expressões. Notemos mais a demolidora expressão "em
casa" que está no texto original, e também nas melhores traduções.
Isto liquida a pretensão de ser a coleta feita na igreja.
Notemos ainda a expressão "e vá juntando", o que indica uma
acumulação que se formava gradativamente mediante periódicas
reservas de dinheiro. |
Por que
num "primeiro dia da semana"? Porque com o sábado findava-se a semana.
Os cristãos eram previdentes e organizados. Era costume, no início da semana, logo no seu primeiro dia, planejarem suas atividades seculares,
considerarem os gastos da semana anterior, anteciparem providências
e fazerem previsão dos gastos para a nova semana. Uma questão de contabilidade
doméstica. Paulo lhes recomenda que, ao fazerem a costumeira previsão, no início da semana, não se esqueçam de separar, o que fosse
possível, em dinheiro para os pobres de Jerusalém, colocando o donativo
numa caixa em seus lares. A idéia de Culto ou de reunião dominical
é completamente estranha ao texto, e seria uma deslealdade à Bíblia
forçá-la aqui.
O The Cambridge Bible For Schools and
Colleges, autorizado comentário das Escrituras publicado pela
Cambridge University Press dos prelados da igreja Anglicana, declara,
comentando este texto, que "não podemos inferir desta passagem que
os cristãos se reuniam no primeiro dia da semana". E prossegue:
 |
"'Cada
um ponha de lado', isto é, em casa, no lar, não em reunião
como geralmente se supõe. Ele [Paulo] fala aqui de um costume
que havia naquele tempo, de se colocar uma pequena caixa ao
lado da cama, e dentro dela se depositavam as ofertas, depois
de se fazer oração". - Parte "The First Epistle to the Corinthians",
editado por J. J. Lias, pág. 164. |
Notemos
que este comentário é insuspeito, porque é dos ardorosos advogados
do repouso dominical. A seguir, citaremos interessante testemunho
católico. O cônego Hugo Bressane de Araújo, em seu opúsculo Perguntas
e Respostas, vol. 1, pág. 23, escreve o seguinte:
"'Pergunta:
Mas dizem os protestantes que S. Paulo manda guardar o domingo.' |
'Resposta:
Não. S. Paulo, na I Epístola aos Coríntios, cap. XVI,
só ordena que se faça uma coleta para os pobres no primeiro
dia da semana; eis as palavras do Apóstolo; vers. 2.º - 'Ao
primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte alguma
coisa em casa, guardando assim o que bem lhe parecer,
para que se não façam as coletas quando eu chegar.' Porventura
esta determinação do Apóstolo acerca das esmolas para os pobres
de Jerusalém anula o preceito sobre a observância do sábado?'"
- Edições 1931, págs. 23 e 24. |
Este
comentário também é insuspeito, por ser de origem da instituição responsável
pela observância dominical religiosa. Alinhemos ainda alguns testemunhos
de pessoas guardadoras do domingo:
Sir Willian Domville,
em seu livro The Sabbath, entre outras considerações
diz: |
 |
"É
estranhável que um texto que nada diz a respeito de qualquer
reunião para qualquer propósito, venha a ser usado para provar
um costume de reunir finalidades religiosas!... Se é insustentável
inferir do texto um costume de reunir - pois nele não se
menciona reunião alguma - parece ainda mais insustentável, e
mais incoerente inferir dele... que a ordem de reservar um donativo
em casa signifique que o mesmo deveria ser dado na igreja... |
A
tradução em nossas Bíblias comuns é exatamente como o original:
'Cada um de vós ponha de parte em casa'. Uma tradução
ainda mais literal da palavra original thesaurizon (acumulando),
mostra de modo mais claro que cada irmão contribuinte devia
ir ajuntando por si mesmo, e não entregar a oferta de semana
em semana a uma outra pessoa." - The Sabbath, págs. 101
à 104. |
Diz Neander: "Contudo não podemos
de modo algum ver aqui qualquer observância especial do dia, como
afirma Osiander."
John Peter Lange, outro comentarista
muito citado, conclui: "A expressão é, pois, conclusiva contra a opinião
prevalecente de que a coleta se fazia na igreja. Era ela um negócio
individual e privado". E mais adiante: "'E vá juntando'... Em virtude
de todo domingo alguma contribuição ser posta à parte, formaria, sem
dúvida uma acumulação".
Era,
sem dúvida, esta "acumulação" que Paulo tomaria e enviaria de uma
só vez, já pronta, para Jerusalém.
A Enciclopédia
Bíblica (em inglês), de Cheyne and Black, no artigo "dia do Senhor",
comenta esta passagem, chegando à seguinte conclusão: "Não devemos,
no entanto, passar por alto o fato de que a dádiva de cada um devia
ser separada particularmente (par hauto) isto é,
em seu próprio lar, e não em alguma assembléia de adoração".
Outro fato digno de nota é que, antes
do fim do quarto século de nossa era, ninguém se lembrou de valer-se
deste texto para pretender confirmar a guarda do domingo. O primeiro
a fazê-lo foi Crisóstomo, em sua Homília 43 sobre I Coríntios.
No entanto, o próprio Crisóstomo admite que a coleta não se fazia
na igreja. Eis textualmente seu comentário:
"S. Paulo
não afirmou que trouxessem suas ofertas à igreja, para que não se
envergonhassem da pequenez da quantia; mas, 'aumentando-a aos poucos
em casa, que a tragam, quando eu chegar'; por ora, vão juntando,
em casa, e façam de suas casas uma igreja e de seu mealheiro um cofre".
Eis o silogismo:
- Premissa
Maior: O dia em que o crente, em casa, põe de parte um donativo
para os pobres, é o dia de guarda;
- Premissa
Menor: Ora, os crentes de Corinto faziam isso no primeiro dia
da semana;
- Conclusão:
Logo, o primeiro dia da semana é dia de guarda.
Estará certa a premissa maior? Seria
esta a forma de se estabelecer uma doutrina? Será sincero este modo
de proceder com as coisas divinas?
Pensaram
acaso os leitores como deveriam sentir-se os crentes de Corinto, se
lhes fosse dado saber, naquela ocasião, que algumas professos cristãos
do século XX haviam de tentar estabelecer a doutrina da guarda do
domingo, no simples fato deles, os crentes coríntios, colocarem moedas
em cofres domésticos com a intenção de ajudar os pobres de Jerusalém?
Com certeza estes amigos de Paulo ficariam estarrecidos! E talvez
bem aborrecidos também!
A.
B. Christianini, Subtilezas do Erro, 2.ª ed., 1981, pág. 211