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"No
mundo religioso tem sido ensinada uma doutrina de graça
tão errônea que não é nada menos que uma doutrina de desgraça.
O Salvador tem sido mais apresentado como Alguém que nos
livra de guardar os Mandamentos de Deus, do que Aquele que
nos salva de os transgredir. Uma chamada
fé dessa espécie tem sido apresentada
como substituto da obediência à santa Lei de Deus." 1
É
deveras lamentável que o mundo chamado cristão apresente
um tipo de graça que tem mais o sentido de indulgência ou de um manto acobertador de certas iniqüidades
do que propriamente o dom divino que consiste em amorável oferecimento de salvação
aos transgressores da Lei Moral.
A
tecla surradíssima da lei contra a graça [a maior deturpação teológica dos tempos] é insistentemente
batida por muitos. Chama-se a isto dispensacionalismo,
que pretende definir duas épocas distintas, uma da lei,
outra da graça - idéia que hoje é desprezada pelos mais
cultos pesquisadores do Livro Santo. Afirma-se
que a lei foi abolida e substituída pela graça. Afirma-se
que não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça, dando
a entender que uma coisa destruiu a outra. Como vamos demonstrar,
só mesmo uma irremediável vesguice teológica poderia estabelecer contradição entre a lei e a graça, ou entre
a lei e o evangelho. |
Precisamos
considerar o legítimo conceito da graça. Não vamos entrar em terreno
especulativo. Não consideraremos, por exemplo, a graça "universal" como
a entendia Wesley; nem o conceito restrito de Armínio ou a singular
graça "da criação", defendida por Pelágio. Para maior luz do assunto,
temos que nos distanciar desses backgrounds teológicos
discordes e até rebarbativos. Vamos analisar a deturpação do conceito
de graça, como se observa nos dias atuais, para "justificarem" a não-observância dos mandamentos de Deus.
- O que
é graça?
- Responde,
com propriedade, o teólogo A. H. Strong: "A graça é favor imerecido
concedido aos pecadores." 2
É uma atitude
de liberdade divina, generosidade inefável, concedendo-nos a salvação
como um dom, já que estávamos irremediavelmente condenados.
É uma oportunidade conferida aos pecadores e que tem o sentido de uma
dívida perdoada, de um perdão concedido, de uma libertação sem paga,
de um jugo desatado, de uma carga retirada dos ombros. Graça é a mais
alta expressão do amor de Deus, que se tornou objetiva no sacrifício
oblativo de Jesus em favor dos pecadores, ou seja, da transgressão da
lei divina.
A lei é existente. Condena.
E justamente porque ela traz condenação e não provê salvação,
temos que apelar para a graça. Definindo a relação entre a lei
e a graça, disse Agostinho: "A Lei é dada para que a Graça possa
ser exigida; a Graça é concedida para que a Lei possa ser cumprida." 3 |
"A graça, contudo, não deve
ser entendida como se ab-rogasse a lei, mas sim como reafirmando-a
e estabelecendo-a (Romanos 3:31 'estabelecemos a lei'). A graça
assegura o perfeito cumprimento da lei, removendo da mente de
Deus os obstáculos ao perdão, e habilitando o homem a obedecer
(Romanos 8:4 'para que a justiça da lei se cumpra em nós')." 4 |
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"Assim a revelação da graça,
conquanto esta compreenda e inclua em si mesma a revelação
da lei, acrescenta algo diferente em espécie, a saber,
a manifestação do amor pessoal do Legislador. Sem a graça, a lei
tem apenas um aspecto exigente. Somente em harmonia com a graça,
ela se torna 'a lei perfeita da liberdade' (Tiago 1:25)." 5 |
E a Lei
mencionada por Tiago 2:10 a 12 é insofismavelmente o Decálogo.
De fato,
como foi dito, se a lei tivesse sido abolida, não haveria transgressão
e, necessariamente, não haveria condenação. E não havendo condenação, não há necessidade de graça. Sem lei não
há graça. Uma pressupõe a outra. A graça, além de nos salvar da
condenação da lei, habilita-nos a viver em harmonia com os preceitos
celestiais, com o padrão divino. Não há contradição mas uma interdependência
entre lei e graça. Elas se harmonizam e completam-se em suas funções:
- "Ora,
àquele que é poderoso para vos confirmar, segundo o meu evangelho
e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério guardado
em silêncio desde os tempos eternos, mas agora manifesto e, por
meio das Escrituras proféticas, segundo o mandamento do Deus, eterno,
dado a conhecer a todas as nações para obediência da fé; ao único
Deus sábio seja dada glória por Jesus Cristo para todo o sempre. Amém."
(Romanos 16:25 a 27)
É errôneo crer que, depois de Cristo, a graça suplantou a lei, substituiu-a,
anulo-a, destruiu-a. É errôneo afirmar que, com a morte de Cristo, findou-se
a jurisdição da lei, iniciando-se a da graça. Infelizmente é assim que
muitos entendem o "estar debaixo da lei" e o "estar debaixo da graça", realçando
que a graça existe da morte de Cristo para cá. Se isso fosse verdade,
gostaríamos de perguntar como se arrumaram os pecadores dos tempos do
Velho Testamento? Como se teriam salvo? Este ponto não pode ser passado
por alto, porquanto as Escrituras ensinam clarissimamente que a salvação
é obtida unicamente pela graça.
E
se a graça não existia antes da cruz, segue-se que os pecadores
que viveram nos tempos patriarcais e posteriores não se salvaram.
Viveram antes da graça, para sua perdição. Ou - como querem
alguns - os pecadores do Velho Testamento se salvaram pelas
obras da lei. Forçoso é convir que o Céu estará dividido em
dois grupos: um grupo a proclamar altissonantemente ter-se
salvado pelos seus méritos e esforços,
por terem guardado a lei (e isto seria um insulto a Jesus,
um ultraje ao Seu sacrifício e ao Seu sangue), ao passo que
o povo que viveu depois da cruz lá estaria a proclamar humildemente
os louvores de Cristo, que lhes deu a vida eterna. |
Seria
isso possível? Seria concebível? Não, não há na Bíblia tal
coisa: uma jurisdição da lei e outra da graça, separados pela
cruz. Isto é danosa invencionice humana, ofensa ao plano de
Deus. Tal conceito é blasfemo e deve ser rejeitado. A verdade
é bem outra. Diz a Bíblia que a graça vem de "tempos eternos"
(Romanos 16:25). |
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Que
o "Cordeiro foi morto deste a fundação do mundo" (Apocalipse
13:8), e que "a graça nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos" (II Timóteo 1:9). Portanto,
os pecadores sobe o Velho Testamento também se salvaram pela graça. Como afirmar que veio depois da cruz? |

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Abraão
foi salvo pela graça. (Gálatas 3:8; Romanos 4:3) |
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Davi
não se salvou pelos próprios méritos, mas pela fé em Cristo. (Romanos
4:6) |
A graça
esta estendida a todos os homens. (Tito 2:11 a 15; Romanos 5:18) Estava
planejada antes mesmo da queda e começou a vigorar desde Gênesis 3:15, mas um dia será retirada (Apocalipse 7:2 e 3; Apocalipse
15:8). Cessará então de vigorar. Em matéria de salvação todos os
homens, em todos os tempos estiveram debaixo da graça. Em Hebreus
11 se alinham os vultos exponenciais do Velho Testamento que agiram,
viveram e se salvaram pela fé. Os sacrifícios de cordeiros e oferendas
que o Israel fazia na antigüidade, simbolizavam a sua fé no futuro Messias - verdadeiro "Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo". Eram a maneira de expressar a fé em Cristo. Não expressavam obras mas fé.
No Céu só haverá uma classe de pessoas: a dos salvos pelo Cordeiro.
Eis a descrição dos remidos, na bela antevisão joanina: "E cantavam
um novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir os seus
selos; porque foste morto e com o Teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação." (Apocalipse
5:9). Portanto a graça abrange TODOS os períodos
da História.
A.
B. Christianini, Subtilezas do Erro, 2.ª ed., 1981,
pág. 93.
1. O Que Vale Mais do que o Dinheiro, série V.A., pág.
1.
2.
A. H. Strong, Systematic Theology, pág. 779.
3.
Citada em Paul and The Law, Charles D. Utt.
4.
A. H. Strong, op. cit., pág. 548.
5. Idem, pág. 549.