As inumeráveis publicações da literatura da especialidade
mostram a dificuldade de todos os problemas relacionados com
a úlcera do estômago. Tem-se-lhe atribuído
as mais variadas origens como, por exemplo, o comer muito
depressa, ou demasiadamente quente, ou a congestão
de pequenas ramificações
arteriais por um coágulo de sangue ou uma colônia
de bacilos deslocados do foco de uma enfermidade, ou a má
irrigação sangüínea devida ao estreitamento
dos vasos ou por arteriosclerose, sífilis ou tuberculose.
Poderia continuar a lista dessas supostas causas. Depois de
prolongada busca e de numerosas observações,
chegou-se às conclusões que a seguir se apontam,
embora ainda não se conheçam todos os fatores.
Aparecimento das úlceras do Estômago -- A úlcera do estômago (e
também a do duodeno) aparecem em determinados pontos e precisamente um pouco
adiante ou atrás da curvatura menor do estômago, da curvatura maior ou pouco
antes do músculo que separa o estômago do duodeno (piloro). São precisamente os
pontos em que se produz suco gástrico em abundância e que sob o ponto de vista mecânico se encontram mais sobrecarregados. Mas estes pontos são
os mais sobrecarregados em todos os homens e contudo nem todos eles sofrem de
úlcera gástrica. É evidente que algo tem que sobrevir à fadiga mecânica para que
apareça uma úlcera gástrica. Mas se é apenas uma parte da humanidade que sofre
de úlcera gástrica deve ter ocorrido algo que provoque em tais doentes uma
«predisposição» para a enfermidade. Com isto entramos no confusamente enunciado
conceito da «predisposição». Sabemos que esta pode ser congênita ou adquirida. A
congênita limitase às pessoas de um determinado tipo físico, corno no-lo prova
um fato continuamente verificado. Os homens que sofrem de úlcera de estômago não
são quase nunca os de «alimentação ao natural», os pícnicos, de abdômen e
pescoço grossos, que gostam de tudo, que comem coisas muito quentes ou muito
frias, e que seriam os primeiros suspeitos. São os leptossômicos (magros,
de extremidade finas), leptossomoatléticos ou de constituição física
atlética, homens de um sistema nervoso lábil (flutuante, débil): são os
nervosos, sempre inquietos, de temperamento mercurial.
Fatores Anímicos -- As pessoas destas características sofrem
muitas vezes por motivos insignificantes (excitação, má digestão, excesso de
trabalho, vida agitada) minúsculos espasmos das pequenas artérias, que às vezes
persistem por bastante tempo. Por isso, entre outras coisas, a mucosa do
estômago fica mal alimentada, incapacitada para a resistência e facilmente
vulnerável na parte mecanicamente mais fatigada. Logo que nesse ponto se forme
uma pequena ferida, fica a descoberto ao ser atacada pelo suco gástrico que
começa imediatamente a atuar sobre a parede do estômago propriamente dita,
começando a formação da típica úlcera gástrica.
À grande fadiga mecânica de determinados pontos gastrintestinais e à
predisposição congênita, unem-se outros fatores, os fatores impulsores». Entre
estes figuram, naturalmente, a história do paciente (duras provas na sua vida),
o modo de vida (irregularidade, pressa, subalimentação), a profissão (esforço
físico ou graves responsabilidades) e as condições familiares e econômicas.
A frase popular: «A excitação causou-me dor de estômago», caracteriza
acertadamente a grande influência dos fatores anímico-nervosos. A maior parte
das vezes são o enfado, a preocupação, a intranqüilidade ou a
insegurança econômica que «atacam os nervos», o que em Medicina
equivale a
dizer que produzem um estado de tensão doentio nos centros nervosos do cérebro que,
por Sua vez, leva a falsas regulações e especialmente a espasmos dos
vasos, ficando assim perturbada a irrigação sanguínea normal do
tecido, provocando variações de inflamação ou degeneração. Esta
dependência psicofisiológica não pode ser hoje negada. A grande
importância da conduta anímica e do modo de reagir do chamado
sistema nervoso vegetativo salienta-se grandemente segundo o
critério científico. Sob o ponto de vista cirúrgico exige-se, para
conseguir um
êxito duradouro da operação da úlcera de estômago, inclusíve uma mudança
consciente
e completa do modo de vida, seguindo um critério
totalmente novo.
A úlcera do Estômago, «Angina Gástrica» -- Assim, pois, a úlcera é expressão e
sintoma de irrigação sanguínea insuficiente, provocada por uma falsa manobra do
sistema nervoso central de regulação dos vasos. Tal como acontece no estômago e
no intestino, essa perturbação, nervosa da irrigação sanguínea pode produzir-se
noutros órgãos, como o coração, os pulmões ou os órgãos cerebrais.
A diferente localização depende da debilidade congênita dos órgãos ou das
imperfeições por eles adquiridas. Muitas vezes se apresentam perturbações da
irrigação
sangüínea em vários tecidos ou órgãos como sintomas de uma perturbação geral. O
Dr. Sigl sublinha que a úlcera do estômago corresponde na sua origem e
desenvolvimento às da «angina de peito», doença esta produzida por irrigação
insuficiente dos vasos cardíacos. E, logicamente, propõe para a úlcera do
estômago a denominação de «angina gástrica».
Conjunto de Causas da úlcera de Estômago e Duodeno -- 1. A
especial fadiga mecânica em determinados pontos do estômago e do duodeno.
2. Uma falsa regulação do sistema nervoso central, que pode voltar a
produzir-se sob diferentes circunstâncias (entre elas uma alimentação
insuficiente).
3. Perturbações da irrigação sanguínea em diversas zonas de tecidos e
órgãos.
4. Localização das perturbações por influências hereditárias e
constituição física apropriada. A isso conduzem as perturbações circulatórias na
área do estômago.
5. Nas perturbações da irrigação sanguínea dentro do estômago, o suco
gástrico com maior teor de ácidos digere o próprio estômago no ponto lesionado
da mucosa formando-se assim a úlcera.
Efeitos da
Hereditariedade e da Constituição -- Estes aspectos aspectos escapam, quase
completamente, a toda a influência pela nossa parte. Nisto consiste a grande
missão do médico assistente, que já de há anos conhece a
família na sua constituição física e nas suas predisposições. Pode, portanto,
aconselhar os membros da família quanto à alimentação, modos de viver e quanto à
profissão a escolher. É infinitamente mais valioso evitar possíveis
enfermidades, vencê-las, extirpá-las antes que se desenvolvam, do que curar
quando já se tenham produzido grandes lesões.
Efeito da Acidose -- O excesso de ácidos no suco gástrico (ponto
5), extraordinariamente doloroso para alguns indivíduos, não se pode neutralizar
quimicamente, por exemplo com bicarbonato.
A mucosa do estômago produz diariamente a determinada quantidade de ácido
clorídrico sumamente importante para a digestão, em especial da albumina. O teor
normal do suco gástrico em ácido clorídrico oscila entre 0,2 e 0,5%. O mecanismo
de produção do ácido clorídrico nas paredes do estômago é qualquer
coisa que ainda não foi possível averiguar diretamente.
Uma abundância de suco gástrico registra-se, quase sempre, nas diversas
variedades da gastrite e nas úlceras do estômago e do duodeno. Menor quantidade
de ácidos produz em geral o câncer do estômago, e quase nenhum ácido a anemia
perniciosa, que hoje nos parece menos perigosa.
Uma defeituosa composição do suco gástrico não só é sintoma de uma lesão
local na parede do estômago, como é também indício de uma perturbação geral. O
sangue carregado com um consumo excessivo de albumina, gordura e sal ou produtos
ácidos do metabolismo, não está equilibrado com os órgãos de eliminação, apesar
de estes aumentarem a sua atividade, e por isso procura escapes de urgência e
aumenta a eliminação de ácidos do estômago. Quem além disso possuir um sistema
nervoso facilmente excitável, que irritando-se ou em tensões nervosas
permanentes reage contraindo os vasos, está predisposto para a digestão das
paredes do seu próprio estômago, isto é, para a formação de uma úlcera gástrica.
Indicações Curativas Gerais -- Depois de comprovada esta
dependência torna-se evidente que em tais circunstâncias se deve deixar de
subministrar matérias que facilitem ao metabolismo produtos principalmente
ácidos, e que não basta tragar uma pastilha ou tomar uma colher de qualquer sal que
atue como alcalino para absorver os ácidos, o que só incita o estômago a
produzir mais ácidos na próxima vez. O estômago não é um órgão isolado, mas que
se encontra em íntimo contato com o conjunto do organismo e
dele dependendo. Para conseguir um tratamento, cumpre ter em conta estas
relações. Os alimentos empregados razoavelmente devem servir de meio de cura.
As perturbações na irrigação sanguínea (ponto 3) encontram-se
estreitamente ligadas com a quebra de direção do sistema nervoso central
(ponto 2). Ambos precisam de muito calor, muita tranqüilidade (a princípio
tem-se de ficar no leito rigorosamente) e descontração, tanto física como
espiritual. O equilíbrio anímico do doente é mesmo de momento a questão
principal.
O cismar em questões sem solução deve chegar ao seu ponto final. O doente
tem de confiar em homens que o compreendam, que lhe aplanem o seu talvez áspero
caminho pela vida. É só quando cessam a inquietação interior e a pressa de todos
os dias, que se pode produzir a distensão física e espiritual.
Resumindo, as exigências do tratamento são: calor, descanso físico,
distensão espiritual, regime de cura ou dietético que tonifique o estômago e o
intestino.
Regime de Cura do Estômago
Fase I -- Dias 1 a 7:
O regime deve efetuar-se do melhor modo possível, começando com um jejum
rigoroso (ou pelo menos, só interrompido por infusões ou sucos), Na medida do
possível deve observar-se como mínimo um dia, se o estado geral do doente o
permitir.
A um dia de jejum, à base de infusões ou de sucos, durante o qual só se
consumirá em cinco vezes infusão de hortelã-pimenta' camomila ou chá preto ou
suco de cenouras, devem seguir-se seis dias de sucos, papas de semente de linho,
arroz, milho, trigo, aveia, cevada ou centeio, temperadas com um pouco
de água do mar ou adoçados com mel. Os sucos de fruta tomam-se muito diluídos em
água na proporção de 1: 1 ou mesmo mais, para que não produzam a menor
irritação. Se os mingaus de cereais forem bem suportados, passa-se imediatamente
à papa de bananas e leite, preparada com leite quente e banana frescas, podendo
enriquecer-se com germens de trigo. Para a regulação digestiva aplicar
irrigações de camomila quente.
Fase II - Dias 8 a
17:
Completam-se e enriquecem-se os alimentos com purê de batata e manteiga
fresca sem aquecer, gema de ovo, nata, flocos e germens de trigo. Também ameixas
secas umedecidas ou óleo de linho para regular as deposições.
Fase III -- Dias 18
a 27:
Completam-se os alimentos com vegetais refogados, verduras frescas
raladas e eventualmente um pouco de carne fresca. Para regular as deposições,
figos secos umedecidos ou fruta fresca.
Se o doente suportar sem novidade as três fases, passar paulatinamente
para uma alimentação totalmente vegetariana, durante muito tempo.
Alimentos Proibidos -- Enquanto durar a cura dietética deve-se
suprimir em absoluto:
1. Toda a espécie de
carnes (exceto vitela, galinha e pombo para a fase 111).
2. Toda a espécie de
peixes.
3. Toda a
espécie de salsichas e carnes defumadas.
4. Todas as gorduras quentes ou duras.
5. Todos os legumes secos, couves e rabanetes.
6. Todos os estimulantes (álcool, tabaco, etc.) e
as bebidas que contenham ácido carbônico.
7. Toda a bebida ou comida muito fria ou muito quente.
Importa ter em conta que tudo se deve tomar
lentamente e bem mastigado. Neste caso, mais do que em nenhum outro, se
cumpre o dito de que «uma boa mastigação equivale a meia digestão». A comida
diária deve ser distribuída em cinco refeições: às 7, às 10, às 13, às 16 e às
19 horas. Numerosos medicamentos novos destes últimos anos não têm conseguido
desprestigiar o grande valor do velho e comprovado tratamento baseado no
repouso, no calor e no regime para os pacientes de úlceras do estômago ou do
duodeno, nem sequer relegá-lo para segundo plano.