O dízimo, como verdade bíblica, por mais que pareça
hoje um tema comum (debate-se acerca de seu uso e da forma como
é solicitado pelas diversas denominações),
já foi alvo de esquecimento e, ainda hoje, é objeto
de distorções quanto à sua validade, finalidade
e aplicação.
Não podemos esquecer que: “Deus não tem mudado;
o dízimo ainda deve ser usado para o sustento do ministério.
O começo da Obra em vários campos requer mais
eficácia ministerial do que a que temos agora, e tem
que haver fundos na tesouraria”.
Lamentavelmente, como todas as doutrinas da Escritura, o dízimo
também está sendo atacado, mesmo no seio da igreja,
sendo tais ataques ajuntados a uma velada ou explícita
resistência à organização devido
a eventuais erros que possam estar sendo cometidos em seu seio
ou mesmo por injustificada suspeita de as coisas não
estarem sendo bem dirigidas. Questionam-se os motivos dos que
pedem para a obra e muitas vezes alimentam-se sentimentos de
que se está sendo enganado ou defraudado, como resultado
perde-se a noção de uma sagrada reserva, e é
prejudicado o avanço da obra que deve ir até os
confins da Terra.
Pretende-se apenas revisar, aqui, sucintamente, os ensinos bíblicos
de uma perspectiva adventista. Neste estudo será abordado,
também, o assunto das ofertas, uma vez que está
ligado ao tema principal deste estudo (Ml 3:8).
O Antigo Testamento faz referência ao dízimo 35
vezes e o Novo Testamento dez vezes. Tais passagens serão
citadas e examinadas na mediada das possibilidades deste artigo,
mais à frente.
Vale a pena lembrar a advertência aos pastores e à
igreja:
Alguns
deixam de educar o povo a cumprir com todo o seu dever. Pregam
parte de nossa fé que não cria oposição
ou desagrada aos ouvintes, mas não declaram toda a verdade.
O povo aprecia-lhes a pregação, mas há
falta de espiritualidade porque os reclamos do Senhor não
são atendidos. Seu povo não lhe dá em dízimos
e ofertas o que lhe pertence. Esse roubo a Deus, praticado tanto
pelos ricos como pelos pobres, traz trevas às igrejas;
e o ministro que com elas trabalha, e não lhes mostra
a vontade de Deus claramente revelada, é condenado com
o povo, por negligenciar seu dever.
Tal declaração, a meu ver, é um motivo
bastante significativo, além dos textos bíblicos,
para um contínuo esforço denominacional, que inclua
maior compreensão, melhor emprego e, finalmente, mais
fidelidade nesta área.
A Teologia do Dízimo nas Escrituras
Reconhecendo
a autoridade do dízimo em relação a lei
mosaica (Gn 14:20; 28:22; Hb 7:5-10), pode ser entendido que
o sistema é independente do sacerdócio levítico,
reconhecido e praticado mesmo por Abraão, o maior dos
patriarcas, o pai da fé. Aliás, fé é
o elemento chave, para a fidelidade a Deus, especialmente neste
assunto. A fidelidade requer confiança total na promessa
de Deus (Ml 3:10-13).
Foi somente após a saída dos israelitas do Egito
que o dízimo foi regulamentado para o sistema levítico.
Ele era dado ao levita, devido a não ter “herança
na terra”, isto é, ele vivia exclusivamente para o serviço
religioso e isso lhe dava direito a todos os dízimos
(Lv 27:30-34).
Como oferta para o ministério o dízimo pertence
realmente a Deus, não deve ser trocado sob pena de multa
de um quinto, ou seja, vinte por cento, e em se tratando de
dízimos de animais a sua troca implicara na perda do
trocado, isto é, multa de cem por cento, para quem tentasse
obter lucro trocando um dízimo gordo por uma substituição
mais magra. A lei fazia clara proibição, que desestimulava
as artimanhas do coração egoísta enfatizando:
“não esquadrinharás entre o bom e o ruim.” Sua
entrega deveria ser feita somente aos levitas, que atuavam como
sacerdotes e, que dariam à família de Arão,
o dízimo dos dízimos (Nm 18:20-26; Ne 10:37-38;
12:44; 13:5-12).
Sendo anterior a Moisés e proclamando o princípio
de que Deus é o verdadeiro dono de tudo, exercendo um
convite a liberdade e denunciando o coração egoísta
e avarento, nutrindo a obra de Deus com dádivas altruístas
de um coração convertido e liberal, fazendo sentido
as palavras realmente inspiradas:
“O sistema especial do dízimo baseia-se em um princípio
tão duradouro como a lei de Deus”.
Reivindicando ter recebido luz direta de Deus, Ellen G. White
repudia a ação de um homem, entre outros, que
proclamava a não devolução do dízimo.
Suas palavras ainda definem o assunto como “terra santa” e apela
com sensibilidade:
“Como ousa então o homem até mesmo pensar em seu
coração que uma sugestão para reter o dízimo
e ofertas vem do Senhor? Onde, meu irmão, vos desviastes
do caminho? Oh, ponde vossos pés de novo no caminho reto!”
O Dízimo no Antigo Testamento
Antes
que teçamos maiores comentários, o esboço
a seguir ajudará a compreender as rendas do Templo e
suas finalidades:
1) Para os sacerdotes (levitas da família de Arão),
conforme Números 18:9-26 e Levítico 5:15-7:35
destacamos:
a) Todas as ofertas que não eram queimadas.
b) Toda coisa consagrada a Deus por voto.
c) Todas as primícias.
d) Todos os primogênitos dos animais.
e) O dízimo dos dízimos dado pelos levitas.
2) Para os levitas (Nm 18:21-32) – Os dízimos de tudo
em Israel.
3) Para os pobres destinava-se um segundo dízimo. Dt
12, 14, 26. Sobre esse segundo dízimo falaremos mais
adiante. Havia também outras provisões mosaicas
destinadas a proteger os desafortunados como a respiga e o ano
sabático (Dt 24:19-10; 25:9-10), mas este não
é o assunto do presente estudo.
4) Para a construção, reforma e manutenção
do Templo.
a) O imposto anual.
b) O dinheiro do resgate das pessoas.
c) Coleta feita pelos sacerdotes.
d) Ofertas voluntárias trazidas ao Templo.
Mesmo respeitando os limites deste trabalho, nos perguntamos
como foram administrados os dízimos e ofertas em Israel?
Os exemplos seguintes nos ajudarão a compreender alguns
aspectos da questão:
Sob Joás. A reforma de Joás, (cerca de 835 a 796
a.C.) foi uma reforma do Templo e dos seus serviços.
Essa empreitada de arrecadação de fundos, para
usar uma linguagem bem atual, foi encomendada pelo rei aos sacerdotes.
Estes deveriam sair pelas cidades de Judá e levantar
dinheiro de todo Israel com o objetivo de reparar “a casa do
vosso Deus de ano em ano” (2Cr 24:1-14). Também cobrou
ação dos levitas quanto ao “imposto de Moisés”
que havia sido instituído para esse fim (v.6). Após
haverem conclamado a nação, os levitas receberam
esse dinheiro dos israelitas até que a obra foi concluída
(vv. 9-10). Esse imposto anual, foi estabelecido no deserto
com o objetivo específico de manter e reformar o Templo
e correspondia a metade de um siclo “segundo o siclo do santuário”
(Êx 30:11-16).
O dicionário diz que o siclo era uma moeda dos judeus,
de prata pura e que pesava seis gramas. O shekel ou siclo, era
uma moeda de prata pura (meio siclo) que cada um pagava para
os gastos de “reparação do Templo e para os sacrifícios,
para o perdão do povo. O prazo do pagamento era do dia
primeiro ao dia quinze do mês de Adar. Este costume continua
até nossos dias,...”
Todo judeu adulto era obrigado a recolher anualmente este imposto
e, especificamente nesta época de Joás, estava
sendo depositado numa arca de ofertas, no Templo (2Cr 24:8).
Além do imposto do Templo, Joás usou para as despesas
da reforma o dinheiro do resgate das pessoas (Lv 27:1-15), as
ofertas voluntárias (2Rs 12:4). E a arrecadação
feita pelos sacerdotes (2Rs 12:5). Os dízimos continuavam
exclusivos para o sacerdócio.
Sob Ezequias. Mentor de uma reforma espiritual que chamava todo
o povo para um reavivamento, o rei Ezequias (729 a 686 a.C.)
tomou medidas financeiras para restaurar à atividade
o Santuário (2Cr 31:2-21). O rei custearia as cerimônias
diárias da manhã e da tarde, dos sábados,
luas novas e festas fixas, conforme a lei do Senhor (v. 3 e
Nm 28:1-29). O povo contribuiria com a parte devida aos sacerdotes
e levitas, que eram os dízimos e as ofertas (v. 4-6 e
Nm 18) e o fez com tal abundância que foi necessário
preparar novos depósitos (v.11), e ali recolher fielmente
as ofertas, os dízimos e as coisas consagradas (v. 12).
Havia dois grupos encarregados de administrar as entradas, em
separado:
(1) Um intendente e sua equipe para os dízimos e porções
dos sacerdotes nominalmente. Recebiam o pagamento apenas os
que estavam oficialmente registrados como ministros de Deus
(vv. 17-19). Eles não recebiam os dízimos diretamente
dos adoradores, mas da tesouraria centralizada que coordenava
toda a distribuição das porções
dos dízimos e rendas dos que, não tendo outra
atividade, viviam somente para o serviço religioso da
obra do Senhor (vv. 14, 15 e 19). As porções eram
para todos os levitas, sem discriminação.
(2) Outro intendente levita, Coré, e a sua equipe controlava
as ofertas e sua distribuição aos que serviam
no Templo em seus turnos (vv. 14-16).
A reforma de Ezequias obedeceu às diretrizes que se encontravam
nas leis e mandamentos de Deus (v.21). Não eram idéias
de organização originais do rei, mas um retorno
ao modelo divino abandonado durante a apostasia. Deus as aprovou
e abençoou, uma vez que foram declaradas boas, retas
e verdadeiras (vv. 20 e 21). Os dízimos continuavam exclusivos
para o sacerdócio.
Sob Josias. A reforma posterior, do rei Josias (640 a 609 a.C.),
seguiu o mesmo padrão de Joás e Ezequias. As ofertas
voluntárias e o imposto do Templo continuavam ainda a
serem depositadas na caixa à porta do Santuário
(2Rs 22:1-7; 2Cr 24:8-10; 31:14).
Sob Neemias. Depois de recolhidos, em produtos diversos, os
dízimos e as ofertas, eram levados a depósitos
próprios para cada dádiva, como menciona Neemias
(12:44). Esse procedimento chama a atenção, uma
vez que tratava-se de uma reforma espiritual que ocorria após
o retorno do cativeiro (ca. 444 a.C.). Tal reforma foi seguida
de um apelo à devolução das porções
prescritas na lei e envolviam ofertas, primícias, dízimos
e outras de acordo com a Torah. Tendo determinado depósitos
específicos para cada oferta, afim de não misturar
entradas que tinham finalidades diferentes, Neemias também
elegeu tesoureiros, centralizou a entrega dos recursos no Santuário
de onde se distribuíam as porções aos levitas
e sacerdotes, cada um em sua função. É
sintomática a preferência por um centro recebedor
e uma fiel equipe de sacerdotes que fizesse a distribuição
“a seus irmãos” ficando uma equipe em Jerusalém
para os sacerdotes e outras nas cidades dos levitas (Ne 12:44-47;
13:10-13).
O ministério de Malaquias. Em Malaquias 3:8-10 (ca. 400
a.C.), o profeta refere-se a essa Casa do Tesouro do Templo,
com a sua administração e organização,
na qual os dízimos não eram misturados com as
ofertas e coisas consagradas, mas tinham seu controle por um
corpo de levitas nomeado especialmente para receber e dar as
porções aos sacerdotes. A ênfase de Malaquias
é a falta de bênçãos em virtude de
não devolverem os dízimos fielmente, pois deveriam
trazê-lo a Jerusalém sob a supervisão dos
sacerdotes (dízimo dos dízimos e ofertas especiais)
e manter a porção dos levitas em suas cidades
para que os tesoureiros, também levitas, fizessem a distribuição
conforme fosse necessário.
Segundo McConville, mencionado por E. E Carpenter, já
citado acima, Neemias representa a mais antiga tradição
acerca do uso do dízimo e deriva de Deuteronômio
e Números.
Não podemos esclarecer, evidentemente, todos os detalhes
referentes ao uso do dízimo levítico em Israel,
mas podemos, com razoável segurança entender que
esse dízimo era a décima parte das rendas do adorador,
obrigatória, que não podia ser trocada ou resgatada,
no todo ou em parte, era consagrada ao ministério, não
podendo ser utilizada para nenhuma outra finalidade ou serviço,
mesmo do Santuário, e que sua administração
não era feita pelos sacerdotes individualmente e nem
pelo adorador, mas por uma equipe designada dentre os próprios
levitas; além do mais, é dito pertencer a Deus
e por isso deve ser devolvida (Lv 27; Ml 3:8-10). Por outro
lado, quanto às ofertas, elas pertencem ao homem (Dt
16:10), o critério de quanto dar é do homem (Dt
16:17), podem ser usadas para várias finalidades (Êx
30:12, 13; 2Cr 31:14; 24:6, 9; Ne 10:32), por isso damos. Foi
a liberalidade e obediência dos israelitas ao princípio
desses usos adequados nas diversas ofertas que possibilitou
toda a construção, manutenção e
reformas do Templo em várias épocas sem lançar
mãos do dízimo, conforme Deus prescrevera.
O Dízimo no Novo Testamento
A
palavra dízimo não é usada de forma direta
nas instruções à igreja sobre o assunto,
no entanto é bom lembrar que a omissão não
invalida a doutrina e nem o Novo Testamento se destinava a ser
o instrumento único que vai estabelecer as doutrinas
válidas da igreja. Uma doutrina não precisa ser
repetida nos escritos neotestamentários para ser validada.
Aliás, o Antigo Testamento eram as Escrituras usadas
pelos apóstolos e na qual respaldavam seus ensinos. Encontramos,
porém, no Novo Testamento, o ensino do dízimo
abordado de outra forma, nos argumentos em favor de uma visão
mais exaltada do ministério cristão e seu direito
à justa remuneração. Como o dízimo
subsistia, anteriormente, sem a lei levítica, como já
foi visto, persevera após ela.
Na epístola aos Hebreus, capítulo sete, menciona-se
a exclusividade dos levítas para recolher o dízimo
dentro do sistema Mosáico. O autor de Hebreus aproveita
a oportunidade para chamar a atenção de que em
Abraão (antepassado dos levítas) Levi, havia dado
os dízimos para um sacerdócio superior, instituído
por Deus. Mequizedeque é representante do sacerdócio
de Cristo, superior ao aarônico e levita. Aqui, mais uma
vez, o dízimo é mencionado em sua anterioridade
ao sistema levítico e é declarada a sua natureza
sagrada e exclusiva para o ministério, servindo inclusive,
para identificar a importância do ministério não
levítico de Mequizedeque, pois que esse recebeu dízimos
do próprio Abraão. Embora não seja o propósito
direto da passagem em questão, somos levados a pensar,
se, os dízimos dados a Mequizedeque, não apontam
para o princípio da manutenção sacerdotal
que passa por Moisés, chega ao NT e permanece até
os dias atuais, lembrando que o atual ministério é
uma extensão, na Terra, daquele que está sendo
desenvolvido pelo Salvador no Santuário do Céu.
Não é o ministério da igreja, por meio
dos que “vivem do evangelho”, uma extensão do ministério
salvador de Cristo?
O fariseu, estrito cumpridor da Lei, não esquecia de
devolver seu dízimo fiel, mesmo que fosse “do endro e
do cominho” (Lc 18:12). Embora sua negligência da justiça,
misericórdia e fé merecesse a reprovação
de Jesus, o Salvador não deixou passar a oportunidade
para reiterar o princípio da fidelidade nos dízimos:
“fazei estas coisas sem omitir aquelas”. Ou seja, “não
use o dízimo para negligenciar a misericórdia,
não use a misericórdia para negligenciar o dízimo”
(Lc 11:42; Mt 23:23). Uma advertência do próprio
Salvador contra a religião unilateral.
Interessante notar que, os fariseus acusavam Jesus de muitas
coisas, porém jamais de não ser dizimista ou pregar
contra esse sistema. Esse aspecto se torna mais relevante quando
é lembrado que o Salvador condenava a avareza dos fariseus
(Mt 23:14, 16, 17; Lc 16:14), descritos nos Evangelhos como
uma elite cultural e religiosa da época (Mt 23:2). Além
disso, suas disputas pelos cargos sacerdotais e as corrupções
decorrentes não foram suficientes para impedir de Jesus
de fazer o apelo pela lealdade do dízimo: “fazei estas
coisas”.
A defesa de Paulo para a remuneração dos ministros
do evangelho, tem sua base argumentativa nos textos do AT que
se referem às entradas que mantinham os sacerdotes (1Co
9:6-14). Segundo ele:
1) Havia apóstolos que não trabalhavam secularmente
(v. 6).
2) Pagar ministros era uma prescrição da lei (v.
8 e 9), e esta o fazia pelo sistema de dízimos (Nm 18).
3) O verso 13, diga-se, é uma referência direta
do dízimo. Pois baseia seu apelo para o pagamento de
ministros da igreja no direito dos sacerdotes e levitas que
tinham seu sustento garantido pelo dízimo, a principal
de suas entradas. Afinal não eram os sacerdotes e levitas
os únicos que se podiam achegar ao altar e prestar o
serviço sagrado no Templo (Nm 18:20-26)?
4) Essa parte, devida aos sacerdotes, é um direito do
qual já estavam fazendo uso (vv. 10 e 12).
5) O mesmo sistema deve ser usado para os ministros do evangelho
(v. 14).
6) Um direito do qual Paulo abriu mão (1 Co 9:12, 15),
entre os coríntios (2Co 11:7), mas por causa da contestação
do seu apostolado (2Co 11:5, 6) e para não dar ocasião
aos falsos apóstolos (2Co 11:8 a 13), no entanto usou
desse direito aceitando salário de outras igrejas (2Co
11:8).
7) Esse é um direito tão natural, segundo o apóstolo,
como de alguém que planta uma vinha (1Co 9:7; Dt 20:6)
e dela cuida (Pv 27:18).
Além disso, pagar os pastores é justo, especialmente
aos que servem na pregação e no ensino (1Tm 5:17-18).
Deve ser feito de tal maneira que não desperte ganância
(1Pe 5:2). Afinal, o objetivo é que o pastor, pago pela
igreja, não se embarace com as coisas desta vida e assim,
sirva bem à causa de Deus (2Tm 2:4).
Vê-se pois, que, mesmo antes de Moisés, o sistema
de manutenção dos ministros de Deus era basicamente
pelo dízimo; assim foi durante a teocracia em Israel
para a manutenção dos levitas e sacerdotes do
Templo de Jerusalém; foi sancionado por Jesus; a manutenção
dos ministros do evangelho foi defendida por Paulo usando a
linguagem e as idéias do sacerdócio levítico
do AT; e, uma vez que a Bíblia não apresenta nenhum
outro sistema, parece lógico concluir que esse é
o plano que deve ser usado hoje em dia na igreja. Qualquer outro
sistema assume a condição de uma criação
meramente humana tentando substituir o plano de Deus.
O Segundo Dízimo
Além
do (a) dízimo levítico (Nm 18; Lv 27), as hipóteses
de estudiosos defendem ora (b) dois dízimos (um para
a adoração em família e os pobres e o outro
para os levitas e sacerdotes), ora (c) três dízimos
(levitas, pobres e para a família, elevando os donativos
dos israelitas a um montante fixo de 30% de suas rendas sem
contar as doações especiais já mencionadas
neste trabalho).
Há referência também ao dízimo do
rei, um sistema de impostos, que não será discutido
aqui visto não envolver o tema deste estudo.
As passagens em contraste com Números e Levítico
acima mencionadas são Deuteronômio 12:6-18; 14:22-28;
26:12-14. Vejamos:
1) Deuteronômio 12:5-18. Promovendo a adoração
em família. A ênfase está no uso de uma
décima parte das rendas para a adoração
em família. Os servos e o levita estariam presentes como
participantes. O lugar mencionado nesta passagem é uma
referência ao local onde estivesse o tabernáculo,
Templo israelita. O levita não recebia esse dízimo
pois era apenas um convidado ao banquete religioso da família.
2) Deuteronômio 14:22-28. Lembrando dos pobres, viúvas
e órfãos. Basicamente o mesmo conteúdo
da passagem anterior com algumas informações adicionais.
O banquete seria realizado a cada terceiro ano, evidentemente
dentro do círculo sabático, isto é, ao
terceiro e sexto anos. Caso o adorador morasse longe e fosse
dificultoso transportá-lo , esse dízimo poderia
ser vendido, se fosse de produtos agro-pecuários, e trocado
por dinheiro (o que não era permitido fazer com o dízimo
dos sacerdotes), e levado ao local do templo e no lugar determinado
ele faria a festa. Nos outros anos o banquete deveria ser realizado
em casa e a lista de convidados, desta vez, seria aumentada
estendendo-se aos pobres, viúvas e órfãos.
Mais uma vez é o adorador quem faz uso desse dízimo
ao seu bel-prazer e o levita não o recebe, ele é,
novamente apenas mais um convidado, como os demais, visto não
ter “herança na terra”.
Será visto em seguida alguns comentaristas sobre Dt 14:22-28:
Diz Adam Clark:
Trata-se do segundo dízimo que eles deviam comer, v.
23. Havia um primeiro dízimo que era dado aos levitas
do qual pagavam a décima parte aos sacerdotes. Nm 18:24
a 28; Ne 10:37 a 38.
Então, do restante, o proprietário separava um
segundo dízimo, que ele comia perante o Senhor no primeiro
e no segundo ano; e no terceiro ano era usado para os levitas
e os pobres, Dt 14:28 a 29. No quarto e quinto anos ele era
comido novamente pelos proprietários, e no sexto era
dado aos pobres. O sétimo ano era um Sábado, para
a terra, e então todas as coisas eram comuns.
Diz o The New Bible Commentary:
Assim é para ser entendido do segundo dízimo,
que parece ser o mesmo dízimo do terceiro ano mencionado
logo abaixo, v. 28 e Dt 26:12, o qual pode ser visto acima no
capítulo 12:17 (...) deste dízimo é dito
ser um ato do povo, Dt 26:12, e os levitas não são
mencionados em ambos os lugares como recebedores, mas apenas
como participantes juntamente com os proprietários...
Matthew Poole:
Quando Moisés falou estas palavras o princípio
do dízimo já era bem aceito em Israel. (...) Para
assinalar a sacralidade do todo, um percentual definitivo era
colocado de lado e dedicado no Santuário. Este é
o chamado ‘segundo dízimo’, em contraste com o dízimo
dos produtos dados para manter os levitas (ver Nm 18:26 a 28)...
3) Deuteronômio 26:12-14.
Nesta passagem tem-se a última referência sobre
este dízimo especial ou segundo dízimo, sendo
que a ênfase recai no seu uso a cada terceiro ano. Mais
uma vez o adorador usa e administra este dízimo como
quer, sendo o pobre e o levita apenas convidados para a festa.
Mais uma vez o levita não o recebe, apenas dele participa.
Pode-se concluir, pois, com razoável segurança,
que as três passagens dos capítulos 12, 14 e 26
de Deuteronômio se completam. A conclusão, que
pode ser tirada por uma atenta leitura, é claramente
compartilhada por Ellen G. White:
A fim de promover a reunião do povo para o serviço
religioso, bem como para se fazerem provisões para os
pobres, exigia-se um segundo dízimo de todo o lucro.
Com relação ao primeiro dízimo, declarou
o Senhor: ‘Aos filhos de Levi tenho dado todos os dízimos
em Israel’. Nm 18:21.
Mas em relação ao segundo ele ordenou: ‘Perante
ao Senhor teu Deus, no lugar que escolher para fazer ali habitar
o seu nome, comereis os dízimos do teu grão, do
teu mosto, e do teu azeite, e o primogênito das tuas vacas
e das tuas ovelhas: para que aprendam a temer o Senhor teu Deus
todos os dias. Deuteronômio 14:23 e 29; 16:11 a 14. Esse
dízimo, ou o seu equivalente em dinheiro, deviam por
dois anos trazer ao lugar em que estava estabelecido o Santuário.
Depois de apresentarem uma oferta de agradecimento a Deus, e
uma especificada porção ao sacerdote, os ofertantes
deviam fazer uso do que restava para uma festa religiosa, da
qual deviam participar os levitas, os estrangeiros, os órfãos
e as viúvas. Assim tomavam-se providências para
as ações de graças e festas, nas solenidades
anuais, e o povo era trazido à associação
com os sacerdotes e levitas, para que pudessem receber instrução
e animação no serviço de Deus.
A cada terceiro ano, entretanto, este segundo dízimo
devia ser usado em casa, hospedando os levitas e os pobres,
conforme Moisés dissera: ‘Para que comam dentro das tuas
portas, e se fartem’. Dt 26:12. Este dízimo proveria
um fundo para fins de caridade e hospitalidade.
Apesar de haver comentaristas que defendem a existência
de duas legislações: uma para o povo quando vagueava
no deserto, em Nm 18, e outra para o povo já estabelecido
em Canaã, em Dt 12, 14, e 26, conforme já mencionado
anteriormente, a Enciclopédia judaica comunga com o pensamento
de um segundo dízimo, com aplicações diferentes,
nos termos apresentados, basicamente por Ellen G. White:
Maaser Sheni, heb., 2º. Dízimo. Oitavo tratado (7º em alguns códigos) na ordem mishnaica de Zeraim, contendo cinco capítulos. (...) Trata, principalmente, dos dízimos comidos em Jerusalém (Dt 14:22 a 27) e a maneira de resgatá-los em dinheiro.
Declara ainda:
Maaserot ou Maaser Rishon (em heb., ‘dízimo’ ou ‘1º. dízimo’ (...). Trata do dízimo dado ao levita (Nm. 18:21).
Maaser
(dízimo). Uma décima parte da produção.
Esta costumava ser separada como oferenda religiosa. Esse costume
tem origem antiga, como por exemplo, Abraão dando o dízimo
‘um décimo de tudo’ a Melquizedeque (Gn 14:18 a 20).
A lei judaica relaciona vários dízimos obrigatórios.
(1) Primeiro dízimo (Nm 18:24) dado aos levitas, depois
da separação da terumah (oferenda retirada) para
os sacerdotes; no tempo do segundo Templo este dízimo
também era dado aos sacerdotes.
A Mishnah em seu tratado Maaserot trata desse dízimo.
(2) Segundo dízimo (Lv 27:30 a 31; Dt 14:22 a 26), isto
é um décimo adicional tomado depois do 1º.
dízimo. Este era consumido pelo próprio dono em
Jerusalém. Usava-se apenas durante os 1º., 2º.,
4º., e 5º. ano do ciclo sabático. Os pormenores
estão no tratado do Maaser Sheni.
(3) Dízimo dos pobres (Dt 14:28 a 29 e 26:12) dado aos
pobres e substituindo o segundo dízimo no 3º. e
6º. ano do ciclo sabático.
(4) Dízimo dos animais (Lv 27:32) escolhidos na contagem
feita três vezes no ano e oferecidos em sacrifício
pelo dono (Veja tratado Bekhorot). Os levitas tinham que pagar
um dízimo que eles próprios recebiam (Núm.
18:26).
O
sistema do primeiro dízimo subsiste nas Escrituras como
parte do plano divino para a manutenção do ministério.
Como já foi visto, tal prática antecede a Moisés
e subsistia antes do Santuário e do próprio Israel.
Não acontece o mesmo com o segundo dízimo. Ele
está intimamente ligado (conforme Dt 12, 14, 26) ao sabático
que ocorria de sete em sete anos.
A tabela abaixo é ilustrativa das diferenças entre
os diversos dízimos (foram incluídos aqui os impostos
reais, chamados de dízimos):
TABELA SUMÁRIA DOS DÍZIMOS
O
DÍZIMO DE DEUS |
O
DÍZIMO DOS POBRES |
O
DÍZIMO DO REI |
Dado aos sacerdotes e levitas. Nm 18:20-26 e Lv 27:30-31. | Para a família no 1º, 2º, 4º e 5º e para os pobres no 3º e 6º anos do ciclo de sete anos Dt 12, 14 e 26; PP, 565. | Um imposto qualquer a título de dízimo. 1 Sm 8:11 a 17. |
1. Dado somente e totalmente aos levitas. | 1. Levita apenas convidado. | 1. Imposto real. |
2. Armazenado no Templo Ml 3:8-10. | 2. Não armazenado no Templo nem dado ao levita. | 2. Levado ao tesouro do rei. |
3. Não usado pelo adorador. | 3. Era usado pelo adorador. | 3. Usado pelo rei. |
4. Não trocado ou vendido. | 4. Podia ser trocado e vendido. | 4. O rei administrava. |
5. O levita recebia e dizimava. | O levita não dizimava pois não recebia. | 5. O rei devia dizimar. |
6. Visava sustentar os ministros religiosos de Israel. | 6. Visava sustentar os pobres. | 6. Visava sustento do rei. |
7. Manter o serviço ministerial. | 7. Visava festas familiares. | 7. Visava sustento do rei. |
8. Um ato de fé: “fazei prova de mim...” | 8. Ato de caridade. | 8. Ato compulsório. |
9. Pré-Mosáico, sancionado por Jesus. Gn 14:28; Mt 23:23. | 9. Apenas Mosaico, ligado ao Templo. | 9. Monárquico apenas. |
10. Permanece com o pastor, atual ministro do altar. I Cor. 9:13,14 | 10. Findou com o fim dos serviços do Templo. | 10. Findou com o fim da monarquia. |
Conclusão
Nessa
questão é preciso lembrar que toda uma comunidade,
um verdadeiro exército, deveria ser mantido pelo sistema
de dízimo, sob pena de abandono do seu ministério
para cuidar da sobrevivência. A dedicação
exclusiva era indispensável e precisaria ser mantida
com um sistema consistente e esse sistema é o de um dízimo
exclusivo para os levitas e sacerdotes, daí a necessidade
de um constante reavivamento nessa área. Basta calcular
que a condição financeira dos levitas seria, aproximadamente,
nesse sistema, a média da situação de todas
as demais tribos, sem implicar necessariamente, em enriquecimento.
A idéia do dízimo, como interpretada a partir
de Deuteronômio, sendo usada para os levitas, pobres e
outros carentes, misturadamente, encontra-se isolada na Escritura,
que postula antes e depois, um dízimo exclusivo para
os levitas e sacerdotes, e outro para a adoração
em família e para os pobres (um segundo dízimo).
Além disso, parece que a conseqüência natural
dessa interpretação (um único dízimo
não exclusivo para os levitas) leva a tribo de Levi ao
empobrecimento, deixando-a ao nível dos pobres mendicantes.
Também não teria sentido apelar para trazer os
“dízimos à casa do Tesouro” (Ml 3:8-10), ao Templo
em Jerusalém, com sua tesouraria específica (Ne
12:44), se os dízimos devessem ser usados pelos adoradores,
desde a época deuteronômica, como querem alguns.
Como explicar o conflito em Números 18 versus Deuteronômio
12, 14 e 26? As soluções, de qualquer modo, frente
à história posterior de Israel, resultam na final
permanência de um único dízimo exclusivo
para os sacerdotes. Como dizer que deveriam os levitas receber
da tesouraria do Templo, os dízimos arrecadados das cidades,
conforme a lei prescrevia (2Cr 31:2-21)? Então, não
eram entregues diretamente aos levitas e nem usados pelo adorador.
Se já houvessem (os levítas) recebido diretamente
do adorador, ou se estes os usasse como bem quisesse, para que,
então, tesouraria de dízimos no Templo? Ou o pensamento
deuteronômico trata de um segundo dízimo, conforme
vimos, ou então, esta é uma questão irreconciliável,
perdida no mundo das hipóteses.
Conclui-se, portanto, pela idéia de que na Bíblia
aparecem dois dízimos diferentes e separados. Um destinado,
anteriormente, aos levitas e sacerdotes e, hoje, ao pagamento
de ministros do evangelho, e o outro destinado à adoração
em família e atendimento aos necessitados. Este segundo
dízimo, entre outras doações do sistema
mosaico, apresenta-se como um referencial básico para
as ofertas que, segundo Paulo, devem ser dadas “não com
tristeza nem por necessidade” mas com “alegria” (2Co 9:6 a 12),
lembrando a alegria que, segundo Deuteronômio deveria
acompanhar a sua entrega (Dt 12:6, 7, 12, 18; 14:26; 26:14),
a qual, enfatiza, não deveria ser feita com “tristeza”
(Dt 26:14).
Um reavivamento e retorno ao modelo bíblico de liberalidade
e administração fiel do fundo sagrado, seja por
parte de nossas instituições ou individualmente,
mediante a instrução pastoral, ainda se faz necessário
em nossos dias como o foi, algumas vezes, no passado.
Num mundo onde a corrida pelo dinheiro tomou o lugar do amor
a Deus e à sua obra no coração de muitos
professos cristãos, certamente, esse exemplo, dos fiéis
israelitas às determinações divinas, é
uma lição de liberalidade, nos dízimos
e nas ofertas, digna de ser imitada hoje pelos verdadeiros adoradores,
que amam mais a Deus do que a Mamom, e querem preparar o mundo
para a breve volta do Senhor Jesus.
Demóstenes Neves da Silva